A Provinha Brasil tem se revelado instrumento de diagnóstico da aprendizagem das crianças nas áreas da alfabetização e matemática. Foi criada para auxiliar o professor dos anos iniciais na identificação das dificuldades de seus alunos de 1º a 3º anos nessas duas áreas, as quais vêm sendo apontadas como responsáveis exclusivas pelo “sucesso” ou “fracasso” das crianças e jovens nas demais áreas curriculares, impedindo ou dificultando a continuidade dos estudos na educação básica.
Segundo o INEP, a Provinha Brasil diferencia-se das demais avaliações realizadas no País pelo fato de fornecer respostas diretamente aos alfabetizadores e gestores da escola, reforçando a sua finalidade de ser um instrumento pedagógico sem fins classificatórios”.
A metodologia de elaboração, aplicação e análise dos resultados foi pensada, portanto, para evitar o ranqueamento de escolas/redes públicas , tão conveniente aos segmentos que se utilizam dos resultados dos exames e provas nacionais para desvalorizar a educação pública e impor-se no mercado educacional.
No entanto, em que pese o esforço dos dirigentes do MEC/INEP para garantir às crianças e seus professores o direito de analisar os resultados dos testes no âmbito circunscrito de suas escolas, aos poucos observamos as evidências da tentação dos gestores públicos – prefeitos e secretários – no sentido de capitalizar politica e partidariamente os resultados da aprendizagem dos estudantes de suas redes, divulgando pela mídia os resultados de escolas. Estas condutas têm merecido críticas mais contundentes dos professores – como vimos recentemente na greve dos profissionais da educação do Rio de Janeiro contra a política educacional do estado e do município, de caráter meritocrático, e recentemente no município , quando educadores de uma escola expuseram com muita clareza o sentimento do coletivo à exposição pública do conjunto das escolas e professores, demandados a aplaudirem o excelente desempenho de duas escolas que atingiram a meta de alfabetizar 100% das crianças.
ações como estas contradizem os esforços das secretarias de educação no apoio e na confiança nas escolas e seus profissionais, que cotidianamente recorrem a variados instrumentos de acompanhamento do desenvolvimento do projeto político pedagógico e nos instiga a questionar o tratamento dos resultados dos testes como indicadores exclusivos da qualidade da escola e dos professores. Tais atitudes, frequentes entre gestores, fortalecem as politicas atuais de responsabilização dos professores preparando terreno para implementação de salários diferenciados e vinculados ao desempenho da escola/classe nos exames nacionais ou locais.
Com o objetivo de problematizar sobre os usos e socialização dos resultados das provas, trago para o debate alguns dados que nos forçam a examinar com reservas a euforia de gestores públicos em torno desses resultados. E colocam para as equipes pedagógicas das secretarias de educação o desafio de desvendar as razões e os sentidos de alterações que vêm se processando na elaboração dos diferentes testes da Provinha Brasil e demais provas nacionais, principalmente as de caráter censitário.
Esta precaução pode contribuir também para entendermos as razões da antecipação para 2013 da Prova ANA – Avaliação Nacional da Alfabetização – de caráter censitário – e não amostral – que avaliará o 1º ano do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. No quadro que cerca 2014, ano de eleições, uma prova censitária servirá com toda certeza para ranquear escolas, colocar luzes sobre determinadas políticas educativas e relegar outras à obscuridade. Aos educadores profissionais da educação caberá acompanharmos os seus impactos na vida das crianças.
Lembrando também que neste ano, em novembro, além da ANA e do teste 2 da Provinha Brasil, ainda teremos a Prova Brasil – a ser aplicada para as crianças de 5ºs e 9ºs anos, as mesmas que passaram pela Provinha Brasil em 2010.
Examinemos as mudanças ocorridas no número de questões da prova e no número de acertos necessários para que as crianças sejam consideradas como alfabetizadas, ou em processo consolidado de alfabetização.
1. Em 2009, o teste era composto de 24 questões, o número de acertos exigidos para considerar as crianças nos níveis 4 e 5, era de 19 a 24 acertos. (Leia aqui documento sobre Provinha e Meta 5 PNE)
2. Em 2012 (não temos os dados referentes a 2010 e 2011) o MEC reduz o número de questões da prova – 20 e não mais 24 -, e o número de acertos necessários para se considerar os estudantes como leitores – 16 a 20 acertos (níveis 4 e 5).
3. Em 2013 há novamente uma ampliação do número de acertos – de 12 a 20 acertos – , a serem considerados para a classificação dos estudantes leitores – nos níveis 4 e 5.
Entender o impacto destas alterações na metodologia da elaboração da prova na elevação ou não da qualidade da educação escolar, é hoje um exercício obrigatório do poder público, um direito e dever dos educadores. Há muitos anos os profissionais da educação vêm questionando quais os fatores, nos testes, exames e provas, que permitem afirmar com segurança que índices maiores de desempenho representam elevação da qualidade de ensino e uma “boa educação”. Desde a década de 80 e início dos anos 90, questionamos a concepção de habilidades básicas de aprendizagem do Educação para Todos, por entende-la como “minimalista”, rebaixando as exigências de formação da infância e da juventude também pela precarização do trabalho docente mediante sua regulação exclusivamente pelo conteúdo de provas e exames.
No quadro atual da lógica empresarial que assedia os sistemas de ensino e bate às portas das escolas públicas de educação básica, a reflexão e problematização da qualidade social da escola nos remete à discussão dos fins da educação, das concepções de formação humana, escola e sociedade e de valorização e formação dos profissionais da educação que estão em disputa em cada época histórica. Sabemos todos que a qualidade da educação perseguida pelo empresariado está em posição antagônica à construção histórica do concepção de qualidade socialmente referenciada defendida historicamente pelos educadores em todas as conferencias de educação desde o Manifesto dos Pioneiros.
Elucidar estes objetivos e criar as formas de enfrentamento e contra-regulação coletiva é um compromisso.
Perfeito ! Sou professora do 2º ano da rede municipal e já havia previsto o que está acontecendo quando apliquei o teste 1 da provinha Brasil. Na época percebi que o número de acertos havia baixado. Suas palavras foram exatamente as que eu tenho usado em meu meio social (colegas de escola, minha família e meu orientador de mestrado). Estava na cara que isso ia ser usado por políticos ! Triste confirmar que estava certa em algo tão decepcionante. Interessante experiência eu ter lido uma pessoa do seu gabarito falando exatamente o que eu falei, embora preferia que isso não fosse verdade, mas infelizmente é ! Um abraço e nunca desista de lutar pela Educação ! Eu nunca desistirei !
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Perfeito…como professora do 1. ano em uma rede pública municipal do estado de São Paulo, vivencio os impactos da Provinha Brasil, já sendo cobrada para que as crianças apresentem bom desempenho na PB no segundo ano…enfim o uso político dos resultados estão aí e a responsabilidade do Estado em oferecer uma educação de qualidade…
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As crianças são engajadas nas praticas educativas especificas através de um processo desenvolvido e estruturado de escolarização.
Segundo FREITAS, a “forma escola” atual é a longa concretização de uma visão de mundo e de educação predominantes. É uma forma historicamente produzida segundo certas “intenções” (p.1). Quando ela é vista com ingenuidade ela se torna “um conjunto de salas de aula e espaços agregados […] destinados a acolher as novas gerações”.
Pensando nisso me remeto ao que li no que diz repeito ao sentido das BCNs, quando MACEDO diz que elas têm se significado “como metas mensuráveis, focadas em resultados, foi prevalente em todo o debate por influência de redes público-privado, mas também pelo desejo de controle de nossos discursos pedagógicos”. (p.898-899)
Na pratica tomo por exemplo agentes políticos considerados importantes como o Todos pela Educação que tem como uma de suas bandeiras a “definição dos direitos de aprendizagem” que descreve como “as expectativas dos alunos brasileiros por série ou por ciclo”.
Há ainda, explicitamente vinculação dos tais “direitos ao conjunto de instrumentos para a avaliação da educação” (MACEDO. p.899): “[…] faz-se urgente […] elaborar e adotar esses direitos, para que as redes, as escolas e os professores saibam a que objetivos pedagógicos precisam responder”, para que os exames não continuem “[…] cobrando algo que nunca foi estabelecido pelo estado nem alinhado previamente com as escolas”.
Pode destacar-se com relevância o quanto este documento “articula demandas por performance, visíveis em sua definição” (MACEDO.p.899) – “importante instrumento de gestão” que vai “[…] deixar claro os conhecimentos essenciais aos quais todos os estudantes brasileiros têm o direito de ter acesso e se apropriar […]”. Assim como sua estrutura que é composta por “princípios orientadores da BNC” (p. 8), e onde há uma lista com os direitos de aprendizagem e desenvolvimento que seguem um “documento preliminar à BNC”, cujo subtítulo é “princípios, formas de organização e conteúdo” (p. 13).
Com todas essa analises chegamos no ponto crucial no que diz respeito à Provinha Brasil, que é exatamente pensar seus reais objetivos e se não há nenhuma propensão por trás dela. É importante ressaltar que como disse FREITAS, “os processos de avaliação não podem desgarrar-se das condições concretas em que a escola funciona.”(p.29) Fazendo isso estaremos supondo que a escola “possa cumprir com sua tarefa formativa independentemente das condições nas quais vivem os seus estudantes é o mesmo que supor que é possível ao hospital devolver a saúde (o estado de saúde) a seus pacientes independentemente dos fatores externos ao hospital.” (p.29)
No fim deste comentário me pergunto, a qualidade do ensino tem melhorado com a aplicação da Provinha Brasil? Não digo em termos de melhoramento de notas e rankings, mas no sentido de pensar a educação para o individuo. Assim como escreveu BONDIOLI (2004):
“A qualidade não é um dado de fato, não é um valor absoluto, não é adequação a um padrão ou a normas estabelecidas a priori e do alto. Qualidade é transação, isto é, debate entre indivíduos e grupos que têm interesse em relação à rede educativa, que têm responsabilidade para com ela, com a qual estão envolvidos de algum modo e que trabalham para explicitar e definir, de modo consensual, valores, objetivos, prioridades, idéias sobre como é a rede para a infância e sobre como deveria ou poderia ser” (p. 14)
Por fim é necessária a compreensão de que a qualidade como disse FREITAS “é um processo de reflexão compartilhada e coletivo que implica em que sejam assumidos compromissos locais com ela. Portanto, a qualidade é uma construção permanente que avança compromisso a compromisso.” (p.29)
Dados do todos pela educação disponivel em: http://www.todospelaeducacao.org.br/indicadores-da-educacao/5-bandeiras/
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A postagem de Helena Costa Lopes de Freitas fala sobre inúmeros usos da provinha Brasil, entretanto, essa reflexão não fica restrita apenas a esse assunto. Revela uma percepção de educação, de sujeito, de ensino e aprendizagem.
No primeiro momento, acredito ser interessante refletir a respeito da organização do trabalho escolar. Dalila Andrade de Oliveira, em seu texto “Organização do trabalho escolar” define essa organização como a forma que o trabalho do professor e demais trabalhadores da escola é organizada buscando atingir os objetivos da escola ou o sistema, em outras palavras, dentro da nossa reflexão, o trabalho do professor se volta não para a formação do sujeito, mas sim para a preparação para avaliações sistêmicas. Dessa forma, Helena questiona o tratamento desses resultados, sendo indicadores exclusivos da qualidade da escola e dos professores. Avaliações de grande escala, como a provinha Brasil, nos mostra uma concepção de educação, no qual se privilegia o conteúdo e tem-se o sucesso ou fracasso dos alunos, do professor e da escola apenas a partir desses resultados, isto é, como Elizabeth Macedo diz em seu texto, “Base Nacional Comum para Currículos”, migra para a educação uma lógica de eficiência do mundo empresarial.
Outra questão importante que é coloca a partir da postagem, são as práticas e experiências desenvolvidas no Ensino Fundamental. O brincar e a formação do sujeito são colocados em segundo plano. Devemos pensar qual o objetivo dessas provas para a criança? De que forma, essas avaliações auxiliam no processo de ensino e aprendizagem e na formação do sujeito. No texto “A passagem da educação infantil para o ensino fundamental: tensões contemporâneas” há uma declaração importante, o qual ressalta que as práticas educativas no ensino fundamental organizam-se em torno da repetição de atividades de treino psicomotor, tomadas como pré-requisitos para a apropriação do sistema de escrita. Contudo, observa-se nas interações entre pares, as crianças desenvolvem uma apropriação ativa. É isso que buscamos em uma educação de qualidade, um processo no qual a criança participa ativamente na construção do conhecimento, para a formação de um sujeito crítico que busca a transformação da sociedade. A partir de uma educação meritocrática, pautadas em avaliações sistêmicas tem-se uma educação não reflexiva, fixadas em conteúdos que não fazem sentindo com a vida dos sujeitos, buscando apenas a classificação do sucesso ou fracasso a partir dos resultados e mantendo essa ordem social de exclusão.
Por fim, se na constituição de 1988, a pratica social da educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa, tanto para o exercício a cidadania como para a inserção qualificada no trabalho, a reflexão final é de pensarmos a educação na concepção da formação humana. Em que medida, as avaliações em grande escola contribuem para a melhoria da qualidade da educação e formação do sujeito? É necessário que tenhamos em foco a educação que valorização a construção e a formação do sujeito, não uma educação em massa buscando apenas números. Devemos pensar em HISTÓRIAS não em PORCENTAGENS.
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Muito bem colocado pela autora! Gostei muito do textos e das reflexões feitas a partir dele!!!! Abraços!
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Essa publicação torna possível refletirmos um pouco mais sobre a estrutura do Ensino Fundamental e os objetivos educacionais que a esse segmento da educação são impostos. Analisando não só a parte política que está por trás de avaliações como a Provinha Brasil, podemos fazer uma análise tendo como base o artigo “A passagem da educação infantil para o ensino fundamental: tensões contemporâneas” das autoras, Vanessa Ferraz, Maria Cristina Soares e Maria Lúcia Castanheira, da Universidade Federal de Minas Gerais, referenciando a passagem das crianças da Educação Infantil para o Ensino Fundamental e as transformações que se desencadeiam diante dessa mudança. Podemos perceber diante de toda a situação da nossa educação, que na maior parte das vezes a Educação Infantil é tratada como um preparo das crianças para o Ensino Fundamental e assim podemos perceber que ela acaba não se bastando em si mesma, o que é um grande problema diante da sua importância para a formação da criança. Em contrapartida, as mudanças que tangem essas duas etapas do ensino são gigantescas e isso reflete na vida estudantil das crianças. A Educação Infantil é marcada pelo lúdico, a maior parte do tempo as atividades são dadas através de brincadeiras, a alfabetização e o letramento aparecem, mas não com tanta força e obrigatoriedade. Já o Ensino Fundamental desaparece com o aspecto lúdico, abandona em grande parte as brincadeiras e apresenta as crianças um mundo totalmente letrado e cercado de rigidez e obrigações. Muitas vezes o espaço físico da escola muda, a sala muda, a disposição das carteiras, a postura da professora e tudo isso causa um estranhamento nas crianças. O que era um mundo pequeno e particular de brincadeira se torna um mundo enorme e rígido demais para elas. Se não bastasse toda essa mudança, o Ensino Fundamental trás novos aspectos, as provas aparecem, os alunos começam a ter que demonstrar resultados e isso se torna um grande desafio. Essa avaliação dentro das escolas já trás certo paradigma de comparação, já que um aluno acaba muitas vezes sendo comparado ao outro em termos de aprendizagem, a Provinha Brasil utilizada como descrito na publicação, como forma de ranquear as escolas, perde o seu caráter de análise do ensino e se torna uma vilã para a escola, os professores e os alunos. A educação colocada dessa maneira acaba sendo vista como um mercado, onde os alunos tão novos são cobrados por melhores resultados, professores em condições não tão favoráveis de trabalho são cobrados e pressionados e a escola se vê a mercê de uma política que quantifica a qualidade e descaracteriza, desqualifica a educação.
Analisando a Provinha Brasil como um exame nacional que é e considerando os conteúdos cobrados na mesma, entramos em uma discussão no que tange a base nacional comum curricular e para isso tomo como base o artigo “Base Nacional Comum para currículos: Direitos de aprendizagem e desenvolvimento para quem?” da Elizabeth Macedo. Ao aplicar uma única prova em todas as escolas brasileiras, de diferentes regiões as diferenças dos alunos estão sendo excluídas, negligenciadas. As peculiaridades de cada região estão sendo desconsideradas e o ensino de cada uma equiparado, ao fazer isso estamos tratando todos como um (universalismo).
No que tange as avaliações de uma maneira geral e usando como base o artigo “Ciclo ou Séries? O que muda quando se altera a forma de organizar os tempos-espaços da escola?” é possível notar que as avaliações são uma espécie de controle dos alunos, já que para ter sucesso na vida estudantil, os alunos precisam de boas notas. Muitos professores se assustam com a possibilidade de não terem mais as avaliações como forma de medir a aprendizagem, pois assim não estão tendo controle sobre seus alunos. As avaliações assim como a sociedade, também assumem um papel de hierarquizar as pessoas, neste caso os alunos, classificando esses como bons ou não.
Infelizmente, podemos ver com essa postagem que as provas externas, assim como a provinha Brasil, acabam por reforçar essa hierarquização e classificação dos alunos.
Paula Debortoli
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A provinha Brasil acaba possibilitando também uma escolarização precoce na educação infantil, assim a educação infantil é vista como espaço de preparo para o dito sucesso no fundamental
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