Existem hoje em nosso país, dois projetos educacionais em disputa, os quais revelam antagônicas concepções de sociedade, escola e educação, interferindo nos processos de gestão democrática e com forte impacto na autonomia das escolas e no caráter do trabalho docente.
De um lado, os educadores, os profissionais da educação, que lutam cotidianamente pela educação pública, gratuita, laica e comprometida com a formação humana integral e a emancipação social. Desta luta não se separam a elevação das condições para o exercício do seu trabalho docente, pela implementação da Lei do Piso Nacional Salarial Profissional e pela jornada condizente com as responsabilidades sociais que lhes cabe na formação integral das crianças, jovens e adultos que acessam a escola pública.
De outro, no pólo antagônico, a organização dos segmentos empresariais, os reformadores empresariais e grandes conglomerados que nos últimos anos vêm fortalecendo a visão econômica da educação, com forte influência nas escolas. Como explicita Nora Krawczyk, a influência do economicismo na politica educacional significa pensá-la por meio das evidências (ou da ocultação dos dados), do pragmatismo e da rentabilidade, ou seja, submetê-la às leis do mercado, tratá-la como mercadoria, afastando os educadores como artífices de seu trabalho e construtores do projeto educativo.
Não há diálogo entre estes dois projetos, que se opõem antagonicamente quanto ao projeto histórico, educativo e de desenvolvimento social necessário para a emancipação e soberania de nosso povo.
A introdução da gestão empresarial nas escolas públicas provoca o alijamento dos professores da direção do trabalho pedagógico escolar e de seu próprio trabalho; nega a gestão democrática garantida pela Constituição Federal de 1988, que em seu Art. 206, inciso VI, consagrou o princípio da gestão democrática da educação pública. E produz o estranhamento frente a gestão do projeto politico pedagógico, também consagrado como direito e dever dos profissionais da educação, na Lei 9394/96 – LDB – em seus artigos 12º, 13º e 14º, estreitando a visão dos problemas que envolvem a escola pública e a compreensão dos fatores externos que a influenciam.
Em Campinas, município que historicamente tem primado pelo envolvimento e compromisso social e politico de seus professores, diretores, orientadores e coordenadores pedagógicos e supervisores, nos rumos da educação municipal, esse quadro se materializa de forma perversa comprometendo um projeto de educação pública como politica de estado e como direito dos sujeitos, pela imposição por parte da atual gestão municipal, de projeto de consultoria privada que visa introduzir nas escolas, uma gestão de/para resultados. Com isso, o governo municipal e sua Secretaria de Educação desqualificam a trajetória das escolas públicas municipais e dos profissionais em sua luta em defesa da escola pública, gratuita, laica e de qualidade socialmente referenciada nas necessidades e expectativas das classes populares.
A rede municipal acumula experiências exitosas e conquistas que merecem ser respeitadas e valorizadas pelos gestores públicos.
Destaco aqui duas ações inovadoras atualmente existentes na rede municipal de Campinas que infelizmente não vêm merecendo da atual gestão a valorização e apoio necessários que garantam sua continuidade na perspectiva de uma politica pública de estado que promova a formação humana integral de caráter emancipatório a todos os estudantes.
O reconhecimento pelo trabalho no campo da avaliação institucional participativa, marca das gestões desde 2002, veio em 2011, quando a rede ganha o Prêmio Inovação em Gestão Educacional – área Gestão de Pessoas, atribuído pelo INEP/MEC às melhores experiências nacionais. A experiência premiada, Formação, currículo e avaliação: trabalho coletivo para a educação integral, desenvolveu-se em2008, no âmbito da política de avaliação institucional participativa construída democraticamente nos últimos 12 anos, em suas interfaces com as áreas de currículo e formação, contribuindo para a construção coletiva das Diretrizes Curriculares para todos os níveis e modalidades da educação básica municipal.
A experiência das CPAs – Comissões Próprias de Avaliação, existentes em cada escola municipal de ensino fundamental e algumas de educação infantil, é hoje uma referência nacional no campo da avaliação institucional participativa, da formação e da gestão democrática, já relatada em 02 livros e cujo impacto na motivação da juventude para o estudo já foi relatado por pesquisadores em outros espaços.
No campo do currículo, o destaque cabe às Diretrizes Curriculares Municipais para todos os níveis e modalidades da educação básica, construídas de forma persistente e coletiva pelos profissionais nos últimos 8 anos.
Essa trajetória de luta pela construção coletiva de um projeto educativo e pela gestão democrática, credenciaria de partida, a Secretaria de Educação, a rejeitar a contratação da Falconi, a qual destina apenas um parágrafo de seu Plano de Trabalho para “especificar” sua ação na área da Educação Municipal. Está clara a interferência da consultoria privada e do segmento empresarial na dimensão pedagógica da gestão e do trabalho escolar e ainda controle do trabalho docente, ao indicar que por meio do trabalho de gestão nas escolas, será possível auxiliar diretamente o Município a alcançar as suas metas e melhorar resultados do processo ensino-aprendizagem, traduzido nos resultados de IDEB, entre outros” Não há nada de “exclusivamente administrativo” nesta ação.
Como explicita a moção aprovada no Congresso de Leitura – COLE, realizado em Campinas, contra a assessoria privada Falconi na rede municipal
Em tal modelo os indicadores de qualidade se restringem as variáveis do âmbito interno das escolas e a seus sujeitos, silenciando sobre as responsabilidades do poder público. Negando a complexidade do processo educativo escolar, o choque de gestão privada elege como principal indicador de qualidade os índices de desempenho dos alunos em testes de avaliação padronizados.
Aos educadores profissionais das 10 escolas municipais escolhidas para implementar a “experiência Falconi”, não resta outra alternativa senão estudar a proposta em profundidade, informar-se, resistir e recusar estes atalhos que somente levarão a educação pública municipal ao retrocesso e ao atraso, com apelos a proposições já ultrapassadas e negadas historicamente pela área da educação.
Nessa resistência, certamente contarão com o apoio daqueles que, em outros espaços, vivenciam solitários tais politicas privatizantes. E também o apoio daqueles que esperam que tal experiência não invada o chão de suas escolas.
O momento é de luta, por um Plano Municipal de Educação que recuse estas proposições.
Pingback: Campinas: projetos antagônicos em jogo | AVALIAÇÃO EDUCACIONAL – Blog do Freitas
Há ações políticas de resistência, como há ações de resistência ativa, como implementar nas escolas projetos coletivos com a participação maciça da comunidade para que haja qualidade social na educação. Não apenas os docentes precisam ser mobilizados, há que se fazer parceria com as famílias cujos filhos frequentam a escola pública. Muitas ações importantes são realizadas por seus educadores, 87% dos alunos do ensino fundamental matriculados em 2011 (PNAD) são da escola pública, sem que haja qualquer seleção para sua admissão, como ocorre nas escolas privadas com índices altos no IDEB. Quantidade se transforma continuamente em qualidade por ações de nossas escolhas.
CurtirCurtir
Grande, profa Helena! #ForaFalconi Alguns professores estão repudiando através de postagens no facebook. Li ainda hoje em minha time line e aproveitei para sugerir seu blog. Grande abraço!
CurtirCurtir
Profª Helena, sou leitor de suas produções e admiro o quão relevantes são para o repensar a educação e seu sistema hegemônico. No entanto, me falaram num evento do PIBID, que teria mudado sua fala em relação a esse programa. Gostaria de saber se isso procede e, em caso afirmativo, qual seu posicionamento sobre o mesmo? Grande abraço
CurtirCurtir
Um projeto político-pedagógico não consiste apenas em uma junção de planos de ensino, de metodologias e de atividades ou de representar uma prática para atender um determinado fim burocrático. Veiga (1995) afirma que o projeto político pedagógico é construído e vivenciado por todos os que estão envolvidos no processo educativo da escola em todo momento e é articulado com um compromisso sociopolítico ao mesmo tempo que busca trabalhar com ações educativas para exercer a intencionalidade da escola, formando indivíduos críticos e reflexivos. Para isso é necessário a coletividade em sua construção e a partir do momento em que a demanda de interesses privados constituem o processo de organização e da gestão escolar perde-se esse caráter coletivo que, consequentemente, não propicia a vivência democrática deste processo de gestão. Segundo Souza (2009), quando a escola segue apenas o atendimento de um ponto de vista há o risco de se padronizar as tomadas de decisão, representando uma violência à democracia, neste sentido, quem são estes que estão tomando esta decisão? Um empresa privada que não possui ao menos em sua constituição relações com a área educacional e pedagógica, desconhecendo todo o processo organizacional de uma escola em seus aspectos políticos-pedagógicos e teóricos-metodógicos, que são indispensáveis para que se concretize as concepções de uma construção coletiva, conforme a própria Veiga (2009) afirma. Ao longo da história da educação, é possível identificar que o estabelecimento de padrões relativos às práticas educacionais levam à estabelecer uma ordem de comportamentos, de ser , de identidade, que são definidos como parâmetros de uma sociedade, os que não atendem estes parâmetros estão fora, estão excluídos, enfatiza-se o mérito individual sobre conhecimentos e desconsidera a individualidade e origem, onde gera um ciclo de reprodução de uma sociedade que privilegia uma determinada classe. Uma instituição privada cuidando da gestão de uma escola vai seguir determinados parâmetros pré classificados, não permitindo que a escola consolide sua autonomia e construa sua identidade frente ao meio que está inserida, a comunidade escolar e, neste caso, qual será o referencial destes consultores de qualidade? De aspectos de desigualdades escolares e sociais? Serão levados em conta os aspectos da condição docente, inclusive questões sobre formação continuada? Entre outros levantamentos essenciais que compõem a administração escolar. Um dos caracteres mais presentes no âmbito privado é a medição de desempenho, o que ao ser empregado, sob a perspectiva privada, nas escolas pode ocasionar na concepção meritocrática e ums prática educativa com finalidade de medir conhecimento específico ou uma demanda, neste sentido, Freitas (2004) coloca que a escola sob este aspecto retorna ao seu propósito inicial de “atendimento efetivo de poucos e à ampla difusão da subordinação para muitos”, gera uma nova forma de exclusão escolar contemporânea que não consiste na exclusão física, parafraseando Bourdieu são os “excluídos do interior”, que ainda conforme Freitas (2004) são avaliações que seguem uma triangulação: avaliação instrucional, comportamental e de valores e atitudes. Uma gestão democrática busca repensar a estrutura de poder na escola e na concepção de uma administração centralizada e hierarquizada, Veiga (1995) diz que “ela visa romper com a separação entre concepção e execução, entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática…Busca resgatar o controle do processo e do produto do trabalho pelos educadores” e é neste sentido que as políticas públicas devem pensar em relação a gestão e organização escolar, acionar consultorias privadas pode não ser a solução para avanços na educação.
FREITAS, L. C. Ciclo ou séries? O que muda quando se altera a forma de organizar os tempos-espaços da escola? In: 27ª Reunião Anual da ANPEd. Caxambu, 2004.
SOUZA, A. R. Explorando e construindo um conceito de gestão escolar democrática. Educação em Revista. 2009, vol.25, n.3, pp. 123-140.
VEIGA, I. P. A. Projeto Político-Pedagógico da escola: uma construção coletiva. In: VEIGA, I. P. A. (Org.). Projeto Político-Pedagógico da escola: uma construção. 24 ed. Campinas: Papirus, 1995.
CurtirCurtir