CNE faz audiência pública para a BNC da formação

O CNE – Conselho Nacional de Educação – debate amanha, em audiência pública exclusiva, com a participação máxima estabelecida de 200 pessoas, a proposta de um Parecer (leia aqui), em sua 3ª versão (atualizada em 18/09/19), que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica.

Esta proposta, já em sua 3a. versão sem que qualquer outra versão tenha chegado às entidades da área, foi disponibilizada para consulta pública no site do CNE, logo após o anuncio, pelo Secretário de Educação Básica do MEC de um plano de formação para professores e gestores – Forma Brasil Docente e Forma Brasil Gestor – (leia aqui), destinados a incorporar as demandas surgidas com a BNCC, e também as alterações nas DCNs de 2015, as quais, segundo ele, vem sendo objeto de discussão entre o MEC e o CNE.

Como demonstramos nos posts anteriores, o Parecer em discussão apresenta propostas que destroem politicas já instituídas, retrocedendo nos avanços que a área alcançou com as DCNs de 2015, em continuidade a um conjunto de politicas indicadas pela CONEB 2008, CONAE 2010 e 2014, e implementadas por diferentes leis, regulamentações e normatizações no período, incluindo o PNE.

Analisamos nos posts anteriores, as concepções que informam uma e outra proposta, o que nos permitem afirmar que as duas propostas estão em polos opostos, antagônicos, portanto, em disputa. A proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação de Professores, construída no período de 2012 a 2015, traz em seus fundamentos a concepção sócio histórica de educação, de escola e de formação de professores construída nos últimos 40 anos pelo movimento dos educadores, em particular pela ANFOPE – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – na perspectiva de consolidar uma política nacional de formação e valorização dos profissionais da educação de caráter crítico, emancipador, comprometida com a formação de todas as crianças e jovens de nosso país, articulada a um projeto de sociedade, de país soberano, justo e que supere a desigualdade a discriminação e a miséria próprias do capitalismo. Incorpora em suas proposições, as experiências concretas de formação desenvolvidas de forma elevada e comprometida pela grande maioria das IES públicas deste país,ao contrário do que o documento do CNE afirma,por várias vezes, desqualificando as IES , professores e licenciandos. 

Outro antagonismo é o reducionismo na análise e proposição para a formação inicial de professores , deixando de lado mas as condições de trabalho, salários e carreira de todos os professores, assim como desconsiderar as condições sócio-culturais e econômicas das crianças e jovens da escola pública. A concepção que permeia o documento do CNE, ao retomar proposições e concepções neoliberais surgidas no final do século XX, especialmente no período pós-LDB, foca sua análise exclusivamente na formação inicial, por compreender de forma reduzida, que “entre os fatores que podem ser controlados pela política educacional, o professor é o que tem maior peso na determinação do desempenho dos alunos”. Com esse ponto de partida, o Parecer recorre a modelos importados de outros países, como Austrália e Chile (que implementa tais proposições desde os anos da ditadura), que vinculam a “qualidade da educação” a desempenho em avaliações constantes e testes censitários exercendo maior controle sobre os estudantes, o trabalho docente e as escolas. Estas políticas têm se mostrado tão perversas e a tal ponto excludentes que hoje o Chile é considerado o país de maior segregação educacional do mundo, sendo que a Austrália (leia aqui), como nos mostra Freitas, “desde que incentivou tais políticas vem caindo sucessivamente em seu desempenho no PISA”.

Com este quadro, passa a ser inadmissível e irresponsável do ponto de vista deuma politica pública, a decisão do CNE de perseguir, em nosso país, o mesmo caminho, provocando retrocessos na educação pública e na consolidação da politica nacional de formação e valorização dos profissionais da educação que estamos construindo desde 2007-2008. Uma politica de caráter amplo, democrático e organicamente constituída, ancorada nos instrumentos legais e fóruns de discussão coletiva como as CONAES e os Fóruns Estaduais Permanentes de Apoio à Formação dos Profissionais da Educação Básica, instituídos a partir de 2009. Nosso país  avança de forma lenta, mas persistente, constante, na direção de termos um sistema nacional de educação e nele, um subsistema nacional de formação e valorização, com políticas estruturantes no entendimento de considerarmos a educação pública como um bem público, gerida e financiada com recursos públicos. E que considera os professores como profissionais autônomos, capazes de se constituírem como profissionais da educação, para além da condição com a qual a BNCC e as politicas dela decorrentes dela acenam, de meros “práticos”, reprodutores de conteúdos gerados fora da dinâmica escolar.

Outra questão que vem surgindo com força, é a defesa da revogação das DCNs de 2015, por considerar que elas não incorporam as determinações quanto a perfis profissionais, competências e habilidades da BNCC da educação básica ao percurso curricular dos cursos de licenciatura.

Aqui, cabem duas considerações.

Em primeiro lugar, um dos princípios mais caros aos educadores é a autonomia universitária, no caso, das instituições formadoras para, a partir de Diretrizes Nacionais para a formação, construírem seus currículos em sintonia com as demandas da educação básica, considerado nesse processo o conjunto de documentos legais e normativos que contribuem para maior compreensão do trabalho pedagógico na educação básica assim como para a definição da politica institucional de formação dos quadros do magistério a ser consolidada em cada IES em articulação com as escolas e os sistemas de educação básica.

Uma segunda consideração é a responsabilidade do CNE e do MEC frente a estas demandas postas pelas  DCNs 2015, diante do quadro atual das licenciaturas, que evidencia que a imensa maioria das vagas em cursos de licenciatura – aproximadamente 80% – estão em instituições privadas de ensino, grande parte em faculdades isoladas ou integradas, desenvolvidos no período noturno e à distância. É, portanto, neste segmento do ensino superior que deveriam estar concentrados os esforços do MEC e do CNE para a correção de rumos na formação de professores em nosso país.  Até porque o crescimento desordenado da EAD, vem se dando exatamente nas instituições privadas, principalmente após a Portaria nº 1.428 de 28 de dezembro de 2018, que permitiu elevar de 20% para 40% o percentual permitido de carga horária à distancia em todos os cursos de graduação,com exceção dos cursos da área de saúde e das engenharias!

O Parecer do CNE em discussão, caso aprovado,  se configura em um retrocesso que só encontra precedentes nas iniciativas do CNE em 1998-1999, quando tentou implementar a proposta de criação dos Cursos Normais Superiores em substituição aos cursos de Pedagogia, os Institutos Superiores de Educação e as DCNs de 2001 fundadas na concepção de competências docentes. Para registro das gerações mais novas, todas estas propostas foram derrotadas, pela resistência, persistência e compromisso politico dos educadores. Derrotadas na teoria e muito mais pela prática formativa das instituições formadoras, que construíram caminhos coletivos inovadores no enfrentamento dos desafios da formação, apoiados por diferentes programas criados no período, como PIBID, Prodocência, entre outros, além da continuidade do Prolicen – Programa de Licenciatura – (um programa semelhante ao PIBId criado em 1994 pelo Forgrad) que vem sendo assumido desde então, em várias Universidades, pelas Pro-reitorias de graduação.

Como podemos ver, há vida inteligente nas Universidades Públicas, em que pese os impropérios dos dirigentes do Ministério da Educação e suas proposições para a privatização do ensino superior público, um patrimônio que cabe ao próprio CNE  defender, diante da ameaça concreta do Future-se que representa o fim das Universidades públicas em nosso país , fim decretado pelo atual governo.

No âmbito da educação básica, o risco não é menor. Se acompanharmos a movimentação na defesa do novo Projeto para o FUNDEB, vamos ver que este se encontra ameaçado pela ação do MEC, da CNM – Confederação Nacional dos Municípios – e do Todos pela Educação (lei aqui) que se articulam na posição contrários ao aumento do percentual do MEC a ser repassado aos estados e municípios. São estas ações que permeiam a definição atual das politicas educacionais e moldam as proposições do Parecer em questão, ameaçando a educação pública como bem público, a profissão do magistério e a formação das novas gerações.

Ouso afirmar que, diante deste quadro só há uma alternativa posta hoje aos educadores: solicitar retirada de pauta e arquivamento do Parecer e demandar do CNE a continuidade da implementação das DCNs de 2015, já em curso em inúmeras IES, garantindo assim a continuidade e o aprimoramento da política de formação de professores construída nos últimos 10 anos e da qual estamos determinados a não abrir mão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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2 respostas para CNE faz audiência pública para a BNC da formação

  1. Pingback: Blog da Formação analisa a audiência de amanhã no CNE | AVALIAÇÃO EDUCACIONAL – Blog do Freitas

  2. Antonio Ibañez disse:

    Parabéns, Helena!! É triste ver o retrocesso da educação básica. Mais triste ainda, é ver que esse retrocesso é propiciado por pessoas que já tiveram posições opostas, no proprio CNE, e não há muito tempo atrás. Que descansem em paz……se puderem.

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