Falsos consensos sobre a BNC da Formação

A Folha de São Paulo de hoje, 24 de novembro, traz artigo do relator da Comissão Bicameral do MEC, Conselheiro Mozart Neves Ramos, diretor de Articulação e Inovação do Instituto Ayrton Senna (leia aqui), uma Organização Social de caráter privado, a qual, em articulação com outras OS e o Movimento pela Base, vêm  se impondo no CNE com a presença dos representantes do empresariado nacional na implementação da reforma educativa em nosso país desde o golpe de 2016.

Esta rede de relações entre instâncias de estado e empresários e reformadores, está mais detalhada em dois artigos recentes que nos ajudam a entender estas intrincadas relações que correm o risco de serem naturalizadas no atual estágio das politicas neoliberais e ultraconservadoras em nosso país.

Noronha e outros (leia aqui),   no artigo “Diretrizes para a Formação Docente é aprovada na calada do dia: mais mercado”, mapeiam a rede de relações entre alguns conselheiros do CNE e fundações empresariais , OS e empresas privadas, à semelhança do que fazem Avelar e Ball, em 2017, no artigo ” Mapeando a nova filantropia e o estado heterárquico: a mobilização por padrões nacionais de aprendizagem”, identificando as redes privadas em torno da construção da BNCC e seus vínculos com MEC e membros do CNE.

O artigo do conselheiro Mozart na FSP é praticamente a primeira manifestação oficial do CNE sobre a aprovação apressada e sem discussão mais aprofundada com a área, da Resolução sobre as DCNs de formação de professores e da BNC da Formação de professores da educação básica.

Esta manifestação vem sendo entendida quase como uma súplica ao governo federal e ao MEC para a aprovação imediata da BNC da Formação de Professores, e praticamente justificando a imperiosa necessidade, do ponto de vista dos empresários e dos privatistas,  de dar sequencia às reformas educativas em curso.

A massiva e unânime rejeição dos educadores da área da educação e da formação, especialmente a ANFOPE,  ao documento do CNE, já explicada, analisada e reafirmada ao longo do ultimo ano em inúmeros documentos, manifestos e também neste blog, é tratada pelo conselheiro como uma mera disputa de posições entre as entidades e os segmentos da área, que segundo ele, gostariam de ver representadas as suas diversas opiniões para enfrentar os dilemas da formação.

Há, obviamente, a tentativa clara de desqualificar a incisiva critica que vem sendo feita pelos segmentos e entidades da área.

Assim, a crítica a um documento de caráter prescritivo, em  relação a seu conteúdo, que recupera o conceito de currículo minimo obrigatorio superado com as DCNs desde a LDB;  que gerou reações contrárias de todos os segmentos envolvidos com a formação inicial de professores, desde as entidades acadêmicas e científicas da área (veja aqui), até os espaços institucionais como o Colégio de Pro-reitores de Graduação das universidades públicas da ANDIFES – o COGRAD (veja aqui) que demandaram a manutenção da Resolução CNE/CP 02/2015, é entendido como mera disputa de posições em um cenário que nos impôs um percurso nada democrático pela instancia máxima da educação em nosso país.

Na realidade, o que o artigo não fala é que tal proposta em seu conteúdo, concepção e forma, responde exclusivamente aos interesses do setor privado na sua logica empresarial de padronizar os currículos de escolas e universidades para avaliar estudantes e professores em provas nacionais censitárias; premiar e punir escolas a partir dos resultados dos exames, reduzindo a defesa da qualidade da educação aos resultados nas provas nacionais e, escancarando ainda mais as portas para processos de privatização da educação e da escola públicas via vouchers e entrega de escolas a gestão privada de Organizações Sociais.

Tampouco corresponde à realidade a afirmação do relator, de que “ao longo deste ano, o CNE realizou diversas reuniões públicas com os diferentes atores da sociedade vinculados à área da educação —da educação básica ao ensino superior”.  Durante os 9 meses em que a Versão Versão Preliminar da Proposta para Base Nacional Comum da Formação de Professores da Educação Básica, apresentada  à imprensa em 13 de dezembro de 2018, ao apagar das luzes do ilegítimo governo Temer, e encaminhada ao CNE no dia 14 de dezembro, as reuniões  estiveram restritas à Comissão Bicameral e a(s) entidade(s) convidada(s), sem que qualquer documento ou relatório tenha sido entregue ou socializado.

A manifestação pública oficial sobre a matéria somente se deu em 23 de setembro, quando o CNE inseriu no seu site , disponível  para consulta pública até 30 de outubro, o Texto Referência – um mal redigido Parecer sobre as DCNs/BNCF em sua 3a. versão -,  e  convocava a 1a. e única audiência pública, realizada somente em 8 de outubro, durante a qual as entidades da área educacional se posicionaram de forma unânime em defesa da Resolução CNE n° 02/2015. As posições e proposições desta consulta pública jamais chegaram a ser socializadas pelo CNE, após os 37 dias durante os quais esteve disponível para manifestação dos interessados.

Chama atenção a enfática retorica presente no artigo, aproximando-se de um falso lamento deixando a dúvida quanto à construção ou não de consensos sobre a proposta, pois como afirma o autor, ” (uma vez que) chegar a consensos num espectro de interesses tão amplo não é tarefa simples (…. ). Em seguida, dá a entender aos leitores desavisados, que houve uma integração de interesses entre os divergentes, ao afirmar que “ e esse foi o maior desafio: como integrar o melhor de cada um para produzir um trabalho capaz de impulsionar a melhora desta formação em nosso país”.

Ora, podemos afirmar que estas são mais do que suficientes evidencias do caráter privado e praticamente sigiloso das discussões travadas no âmbito interno do CNE, da construção de consensos exclusivamente no âmbito dos interesses privatistas e empresariais representados nessa instância, com objetivo implícito de evitar polêmicas que pudessem impedir sua aprovação de modo a sinalizar sintonia com as demais reformas e com os anseios e necessidades do mercado.

Por último, consideramos falsa a consideração do relator, de que “No que concerne à formulação das novas DCNs da formação docente, a referência foi a resolução nº 2/2015 do próprio CNE. Um belo trabalho, que precisava ser revisto e atualizado para dialogar com a BNCC”. Não procede a afirmação categórica de que foram amplamente discutidas as matrizes de competências gerais e específicas e suas respectivas habilidades, originalmente encaminhadas pelo MEC, pelo menos não a ponto de confirmá-las como aceitas e necessárias.

A versão divulgada pelo conselheiro é a expressão maior do descaso e do desprezo  de uma instância de estado como o CNE, no trato com as entidades da área, a aversão permanente aos movimentos organizados e às divergências, uma vez que a resolução aprovada no último dia 07 de novembro, a se confirmar a versão “não oficial” divulgada pelo próprio CNE, não mantém absolutamente nenhum dos artigos das DCNs de 2015 Além disso, as Competências Profissionais Docentes – Gerais e Especificas, anexas a proposta de Resolução – são exatamente as mesmas do documento elaborado pelo MEC ainda no governo anterior e referenciadas em experiências de países nos quais as reformas fracassaram, como Austrália e Chile.

Pelo visto, teremos ainda inúmeros e significativos embates com o CNE, uma vez que ficaram pendentes questões polêmicas como a formação continuada, carreira docente, avaliação e estágio probatório e a criação de um Instituto Nacional de Acreditação e Formação de Profissionais da Educação Básica, como uma agencia exclusiva de avaliação, acreditação e autorização e reconhecimento de cursos de formação de professores.

 

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2 respostas para Falsos consensos sobre a BNC da Formação

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